terça-feira, 20 de julho de 2010

Jacqueline Vieira - A Justiça das Cotas Raciais

A aprovação na Câmara dos Deputados do Estatuto da Igualdade Racial reacende a discussão sobre as ações afirmativas destinadas a corrigir a posição de inferioridade imposta aos brasileiros negros e pardos. O País precisa das cotas raciais para sanar essa injustiça gritante e assim fazer as pazes com o passado escravocrata e discriinatório. Há dívida histórica a ser resgatada e a reserva de vagas nas universidades é a medida mais importante para romper, pela via da educação superior, o racismo institucional que impera no Brasil.
Os opositores às cotas para negros e pardos partem de um conceito equivocado de que a implantação da política nas universidades poderia racializar o País, ou seja, criaria o ódio racial ao dividir a nação entre brancos e não-brancos. Ora, o Brasil já é altamente racializado. Basta ver que o padrão de referência da sociedade é europeu, apesar da maioria populacional ser afrodescendente. Se é real que inexiste o conflito de raças explícito, como ocorre nos Estados Unidos, não é menos verdadeiro que viceja no Brasil um racismo de fundo, dissimulado nas relações pessoais, mas ostensivo e estrutural quando são analisados os indicadores de desenvolvimento humano.
Em comparação com os brancos, os afrodescentes estão sempre no andar de baixo da sociedade. eles têm menos escolaridade, possuem um nível de acesso inferior ao Sistema Único de Saúde, recebem salários menores e fazem os trabalhos mais penosos. Têm à disposição cobertura desigual de infraestrutura, a exemplo do saneamento básico, e são o alvo preferencial das ações repressivas de segurança pública. Não é sem motivo que há no País um mito de que a cadeia é lugar para preto e pobre.
As cotas raciais podem furar esse bloqueio ao indicar a emancipação social dos afrodescendentes pela via da educação superior. A ação afirmativa é temporária e poderá produzir extraordinários efeitos em uma geração. Mais de 80 instituições de ensino de terceiro grau no Brasil já adotaram a medida e os resultados de desempenho dos cotistas têm sido muito bons. Eles desmentem a ideia de que a cota implicaria na queda da qualidade do ensino. Os opositores às cotas raciais duvidam da ação afirmativa por considerar ser impossível determinar distinções étnicas em uma sociedade altamente miscigenada como a brasileira.
Miscigenação que só é visível na base da pirâmide. O Brasil do colarinho branco e do ar-condicionado europeu. A função das cotas é justamente permitir que negros e pardos tenham formação superior para ocupar as posições de direção no Poder Executivo, nas Forças Armadas, no Judiciário, no Parlamento, na universidade e na atividade capitalista. Eu tenho confiança de que o Congresso Nacional vai agir com coerência aos princípios republicanos e aprovar as cotas raciais nas universidades e encerrar o processo legislativo do Estatuto da Igualdade Racial.
A luta dos negros no Brasil é um marco fundamental na derrocada da ditadura militar. O movimento avançou muito por meio das políticas promovidas no governo Lula, pela Secretaria da Igualdade Racial e a Fundação Cultural Palmares. Agora precisamos ter na ordem do dia a vigência de uma outra geração de direitos centrados na educação para que os afrodescendentes possam participar efetivamente de uma sociedade onde há democracia racial.

Jacqueline Vieira
( Artigo publicado Diário da Manhã)

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